23 fevereiro 2009

Personagens da Peça – que também é filme

Benedito: - jovem do interior, ingênuo, puro na verdade. Não ver maldade em nada, em ninguém. Tipo raro nos dias atuais. Seus trejeitos lembram muito a simplicidade e pureza de Mazarope, bem como a candura de Grande Otelo. Aliás, estes dois personagens do cinema brasileiro podem ser uma fonte inspiradora para o Ator. Benedito é morto de apaixonado por Lionor, a rosa de seu jardim. Por ela é capaz de tudo. Enfrenta céus e terras para ficar ao seu lado. Dotado de uma pureza sem precedentes. Nunca ouviu falar de camisinha; Não percebe que São Pergentino é o Diabo disfarçado. Tem na figura de Sinhá Costureira e do Padrinho pessoas a quem deposita grande confiança; são seus confidentes, com quem desabafa, tira dúvida, até pedir conselhos de como usar a camisinha. No filme é o único personagem que perpassa os dois mundos simbólicos do filme: o do teatro e do cinema, criando uma espécie de metalinguagem ativa. Quando está no palco tem o rosto pintado de branco, com as maças rosadas, roupa bem irreverente. Ao perpassa para o mundo real, através da cortina azul repleta de estrelas, essa mascara desaparece, ficando apenas as maças rosadas e uma parte da roupa que estava usando.  

Lionor: a linda flor do jardim de Benedito. Pense numa moça inteligente, aplicada, sensual e bonita. É por dentro de tudo que acontece no mundo. Ninguém consegue lhe passar a perna. Letrada, domina diversos assuntos. Em se tratando de coração, é apaixonada por Benedito a quem jurou eterno amor. Não tem olhos pra mais ninguém. Fala que transar, só com camisinha. Prevenção é tudo. Lionor acontece no filme, somente no teatro, lá no picadeiro do circo, ao contrário de Benedito que toda vez que entra na cortina de céu estrelado transcende para imaginário mundo real. Bem por isso Lionor é um grande acontecimento nesta narrativa cinematográfica. Ela é teatrocinema. Um fundido no outro. Representa também a formada mulher conduzindo o destino do casal. Afinal ela consegue fazer com que Benedito mude de atitude, prática e comportamento, na medida em que ele sai à procura de quem possa ensiná-lo o que diabo é essa tal de camisinha? Volta tempo depois consciente, Lionor se dá por feliz e tudo é consumado. 

Diabo: Ardiloso, metade bode, metade homem, bode e homem ao mesmo tempo. Enganador, criador de ilusões. Hora aparece aqui, depois ali... Encanta Benedito ao ponto de fazê-lo crer que é São Pergentino. Representa o atraso, o pensamento medieval daqueles que sempre encontram desculpa para não usar camisinha. Meticuloso nas palavras, nos gestos, no olhar. Surgem sempre das profundezas ao redor de muita fumaça. Como pertence ao Plano do Divino transita entre os a camada filme e camada teatro com certa fluidez própria dos divinos. Hora está aqui, hora ali.  Andam no meio da multidão é ninguém nem o percebe. Somente ele percebe a todos. Seu objetivo é convencer Benedito a não usar a camisinha. É repreendido por Nossa Senhora. Expulso do Paraíso por São Pedro, Santo Antônio, São João. 

Sinhá Costureira: madama, mulher fogosa, coroa enxuta, gostosa, uns peitão, boazuda. Agenciadora de meninas.  De dia faz costura, de noite  faz festa, muita festa. Mulher vivida, Sinhá Costureira não leva desaforo pra casa. Devota de São Jorge, o Guerreiro. Madrinha do Jovem Benedito, por quem tem um amor quase de Mãe. Mulher vivida, fala da camisinha com muita intimidade e segurança. Moram com ela quatro jovens “as meninas de Sinhá”, os olhos da Costureira. Deitar com elas, só se for partido alto. Sinhá Costureira é parte integrante do mundo teatral, porém toda sua misancene se dá em um ambiente natural, como se fosse à extensão do mundo teatral transformado agora em cinema. Mesmo toda misancene acontecendo fora do ambiente palco/circo as reações de público vêm do circo. Para eles o ambiente natural de Sinhá Costureira é apenas um cenário pra lá de realista. 

As meninas de Sinhá: Duas brancas e duas morenas. A alegria da casa, os olhos de Sinhá. Só não santas porque em fim. Alegres, extrovertidas, passam o dia de flozô, à noite sorrindo para os freqüentadores da casa.  Nunca desobedecem à madama. 

Anjo da Guarda: alegre, brincalhão, representante direto do Divino na ação cinematográfica. Traz consigo todos os trejeitos da molecagem cearense. Sem moralismo, esclarece a Benedito que é preciso usar o preservativo sim. Abre os olhos do moço para que não se deixe enganar pelo Diabo, disfarçado de São Pergentino. A aparição do Anjo no filme começa com um lindo desenho animado. Ele chega voando, fazendo piruetas, por trás de Benedito que está sentado no lajedo de Pedras. Aos poucos a animação vai se transformando em realidade No final da cena, o anjo sai voando, também em desenho animado. Benedito sai correndo atraz dele e aparece no palco. Embora toda essa misancene aconteça fora do ambiente onde a peça começou (palco/circo) as reações de público são da platéia que está no circo. Para ele aquela belezura de lajedo não passa de um puta cenário pra lá de realista. 

Desorientado Ator: aquele tipo de ator, super competente, versátil, galã, pontual, nunca atrasa. Mas naquele dia, logo naquele dia, foi tirar um cochilo e o sono pegou. Quando deu conta, tava em cima da hora de entrar em cena. Correu, atravessou o palco inteiro, entrou em cena gritando, com o figurino ainda em mãos... e ai? A parte dele já havia passado. Que penhinha. Só o que parece trivial aos olhos do espectador ganha forma. É nesse exato momento em que a platéia do circo percebe que o anjo era Anjo mesmo, que o Diabo era Diabo mesmo e desesperada sai correndo, derrubando tudo, perdendo tudo, numa ave-maria, num valei-me Deus, num pedido de socorro medonho.  É quando surgem em cena os Santos juntamente com Nossa Senhora, um dos ápices do filme. Mas isso é outra coisa. 

Os Santos: Antonio, Pedro e João: no começo do filme aparecem disfarçados de Vereadores junto a Comitiva dos Poderosos de Juatama. Nesse momento  representam o Divino na Terra. N ao estão ali para julgar, mas a procura do Diabo que desceu a terra pra fazer maldade a Benedito. Estão nem ai pra Quarto Besouro, Lionor, Prefeito, pra festa, nada disso tem importância para eles. Como pertencem ao Plano do Divino transitam entre as camadas (teatro e filme) num piscar de olhos. Se encontram com Nossa Senhora, momento ápice do filme, rico em plasticidade e magia. Momento grandioso representa uma virada na diegése. Os Santos restabelecem a ordem. A vida vence a morte, metaforicamente falando.  

Nossa Senhora: a enviada de Deus para colocar o Diabo no lugar. Sua aparição no filme é algo fabuloso. Vem flutuando, repleta de luz, muita luz. Representa diretamente o Deus Pai todo poderoso. Pode julgar, desconjulgar. A ela tudo foi permitido. Estabelece na história um momento ápice. Mesmo com todos os arquétipos de Nossa Senhora imaginada pelo inconsciente coletivo (meiga, dócil, cabeça inclinada, pálida, quase transparente) tem um certo ar regional.   

Padrinho: representa o Saber e o Ter. Tem dinheiro e livros espalhados por tudo que é canto da casa. Dos livros saltitam cédulas servindo de marca-texto. O falsário. O colecionador de tudo. Leu e continua lendo até hoje. Profundo conhecedor da cultura popular. Cordelista. Adora Luis Gonzaga. Quando o assunto é dinheiro emprestado nunca está. Mão de vaca. É assim de afilhados. Benedito é um deles. Com sabedoria, humor e simplicidade, ensina o moço a usar a camisinha. Graça a ele Benedito consegue ficar com Lionor. Igual a cena da Sinhá Costureira a misancene do Padrinho se dá em um ambiente natural, porém, as reações de público vêm do circo.  O ambiente natural da casa do Padrinho é para eles apenas um cenário hiper realista. 

O Homem que zurra: típico homem do interior metido a engraçado, que faz o povo rir de suas marmotas. 

Grupo de Reisado: alegre, coloridos, vibrantes dançam no pátio da igreja. Cortejam a noiva com suas espadas quando vai ao altar. 

Mãe de Santo: simpática, afetuosa, envolvente, faz oferenda pra Oxum abençoando os noivos e os fieis. 

Pernas de Pau: jovens de Juatama. Do alto carregam felizes uma faixa onde está escrito: Juatama é Patrimônio Folclórico da Humanidade! 

Padre: (que celebra o casamento) Da ala progressiva da Igreja, representa o novo vencendo o velho. Tem idéias avançadas. É a favor do uso do preservativo nas relações sexuais. Ecumênico reúne todas as religiões nas suas celebrações. Radical, entrega aos recém-casados um preservativo simbolizando a Aliança da Vida Eterna. Será expulso da Igreja com certeza. Os fiéis vibram. Lionor e Quarto Besouro se beijam. O Padre os abençoa.    

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