23 fevereiro 2009

Personagens: esses seres imaginários que fazem transpirar Atores

Aqui, vou tentar descrever em linhas gerais de como imagino os personagens d’O Auto da Camisinha, no desejo de ajudar o elenco a compor melhor suas personas e também para que a produção, arte, cenografia, figurino, trilha sonora visualizem melhor o universo do filme, suas cores, seus modos de interpretação, sua linguagem, as camadas que irão estabelecer o Auto da Camisinha enquanto Filme, enquanto Teatro, ou onde esses dois mundos se completam, criando aquilo que a academia determina de metalinguagem. Esses traços por mim esboçados que sirvam apenas de linha inspiradora.

Para facilitar a localização no roteiro vou descrevendo os personagens por ordem de entrada. 

1. Os Garotos da Cena de Abertura: típicos garotos do interior. Aqueles que passam o dia na rua, brincando, re-inventando a Arte de brincar. Tudo que tem ou tudo aquilo que lhes aparece à frente se transforma em objeto lúdico. Tão nem ai se é brinquedo de loja ou uma caixa de fósforos encontrada por acaso na rua ou ainda uma garrafa pet transformada num potente carro de fórmula1. O que importa aqui é brincar ao sabor da imaginação. Eles representam as raças brasileiras. 

2. Os Homens na janela do atelier de Lionor: típicos moradores de cidade de interior. Calmos, pacatos, ingênuos, observadores. Vão passando, vêm algo diferente do cotidiano deles e param, observam, comentam, opinam. Depois saem espalhando pra toda a cidade o que viram. Quem tem um pé no interior e outro na cidade grande, sabe muito bem ao que me refiro. 

3. Pessoas que confeccionam adereços no Atelier: jovens de grupos da cultura popular; são os guardiões da memória e das manifestações artísticas culturais de Juatama. Responsáveis pela ambientação das ruas, barracas, circo para chegada do Quarto Besouro. Sabem com propriedade defender a tradição sem se fecharem para o novo. São vibradores, entusiastas, preparam a decoração de Juatama com dedicação e energia. O clima que eles impregnam ao Atelier é de muita alegria e descontração. São pessoas de plena confiança de Lionor.   

4. Lionor: a mais bela de Juatama. Diretora da Cia. de Teatro local. Uma mulher verdadeira em seus sentimentos. Líder, alegre, divertida, sempre astral. Sua beleza faz os homens suspirarem. Sua personalidade forte impõe respeito e limite. Ninguém avança o sinal sem sua permissão. Ai de quem se atrever. Aceita entregar a chave da cidade a Quarto Besouro e seduzi-lo porque sabe dos benefícios que o almejado título vai proporcionar a Juatama. Para se tornar cúmplice na trama certamente impôs suas condições. Esperta não dá murro em ponta de faca. Ao ver Quarto Besouro  algo arrebata seus sentimentos, ficando chafurdada por dentro. Amor a primeira vista? Sincera ao que sente não hesitou em transparecer ao cavaleiro tão nobre sentimento. Folcloreira fez questão de se casar próximo do ciclo natalino.  

5. Motorista: o fiel escudeiro de Quarto Besouro. Além de motorista também se faz de Secretário particular. Chega a ser uma espécie de zelador “cri-cri” do Grande Homem. Zela tudo: do vestir ao sentir, do comer ao beber. Se pudesse respiraria por ele. É como se fosse à sombra do outro. Carne e unha. Sempre grudado, pregado no Besouro. Às vezes chega a incomodar. Sua marca é ir à frente abrindo o tapete – que traz sempre debaixo do braço - para Quarto Besouro passar. Para ele, se Quarto Besouro pisar no chão, é como se uma grande desgraça se abatesse sobre suas cabeças. Está sempre limpando a roupa e colocando no lugar a peruca de Quarto Besouro.   

6. Quarto Besouro: Profundo conhecedor das manifestações folclóricas brasileiras. Representante do Instituto Folclórico Nacional – IFAN. Carrancudo, o Homem é um abuso só. O mau humor é acentuado por conta de uma azia crônica que o persegue desde sua primeira juventude. Tem ódio mortal quando trocam seu nome. Fica fumando numa quenga. Estudou nas melhores universidades do Brasil e Europa. Fala diversas línguas. Culto, intelectual, chega a ser pernóstico. Careca, tem um cacoete terrível que é acenar para seu fiel Motorista para que o mesmo coloque no lugar sua peruca que insiste em ficar de banda. Foi para Juatama decidido a negar o título almejado. Ao ver Lionor, é como se o mundo abrisse em cores a sua frente. Apaixonado só pensa em tê-la nos braços, cobri-la de beijos e carinhos e realizar todos seus desejos: inclusive de dá a Juatama o título de Patrimônio Folclórico da Humanidade. Ao vê-la contracenando no palco chega a ter crises de ciúmes ao olhar Benedito se insinuando para Lionor. Se pudesse voaria no pescoço do ator e o esganaria ali mesmo, na frente de todos. Gostaria de ter se casado na cidade grande, com todo luxo e pompa que sua condição financeira pode proporcionar. Apaixonado cedeu ao pedido da noiva se casando na pitoresca Juatama. 

7. Grupo de Atores Mambembes: a partir de agora este grupo passa-se a chamar Trupe `Caba de Chegar, em homenagem a esta respeitável companhia de Fortaleza. Vem da capital para encenar na hora do casamento da Quadrilha a espetáculo “O Auto da Camisinha”, cujo Lionor é diretora e atriz principal. Andam em um trem-rural, carregada de adereços, cenários, figurinos, tudo embalado em caixotes de madeira. A cenografia desta Rural-Trem causa admiração e desperta curiosidade por onde passa. Foi assim desde sua fundação. A cada parada, arrasta multidão, aplausos, sucesso absoluto. Encena O Auto da Camisinha ha pelo menos 10 anos. 

7. População de Juatama: pense num povo hospitaleiro e festeiro. Tem um orgulho de Juatama invejável, verdadeiro sentimento de pertença. Sabe o que significa a cidade receber o Título Patrimônio Folclórico da Humanidade. Para isso acontecer não mede esforços. Homens, mulheres, jovens, crianças e idosos vão às ruas, fantasiados, produzidos, vibrantes. Quando é anunciado que Besouro está adentrando a Juatama, eles gritam, balançam suas bandeirolas de mãos, correm atrás do carro, se amontoam para ouvi-lo falar. Nunca se vira algo desse tipo em Juatama. Lionor para eles é uma espécie de referencia.  

8. Manifestações Folclóricas: nesse momento o filme presta uma justa homenagem às manifestações folclóricas nordestinas, aquelas de raiz, que falam da gente, de nossas origens sem didatismos ou paradigmas pré-estabelecidos. Na tela o que viremos em cena são as matrizes formadoras de nossa Identidade Cultural. Grupos de bumba-meu-boi, pastoril, reisado, maracatu, Mateus, catarinas, jaraguás, burrinhas, pernas-de-pau, violeiros, repentistas, vaqueiros, palhaços, artistas de rua, etc, formando uma expressiva cocha de retalhos do nosso folclore.   

9. A Comitiva: característico da política brasileira este tipo de Comitiva   ainda é presente nos dias atuais tanto nas grandes cidades, porém, assume realce quase caricatural nas pequenas cidades do interior. Geralmente é composta pelos que estão no Poder Executivo, Legislativo, Judiciário,  Religioso e/ou próximo dele. Defende interesses próprios. O coletivo em segundo, último plano mesmo. Para eles o povo é simplesmente massa de manobra. Na diegése d`O Auto da Camisinha ela – a  Comitiva -  tem papel fundamental. Reunidos na calada da noite, às escondidas, tramaram para que Lionor – por ser a mais bela de todas as Juatamenses – entregue a chave da cidade a Quarto Besouro, seduzindo-o. Se Besouro não der o titulo almejado por todas manifestações populares ali expostas, que o dê pelos dotes pessoais da envolvente Lionor. Essa trama – acordaram eles – não pode ser perceptível por parte da população em momento algum. Um pacto selado, um acordo entre cavaleiros e damas, “os poderosos de Juatama”. É tanto que eles agem de maneira sutil, só no olhar, discretamente, quando se aproxima o momento de Lionor entregar a chave da cidade a Quarto Besouro. Portanto, sse jogo duvidoso de interesse tem que ficar visível somente do ponto de vista do espectador que assiste ao filme, nunca do povo de Juatama.   

A Comitiva de Juatama (os poderosos ou os que estão ligados a eles diretamente) é composta pelas seguintes autoridades: 

Prefeito: o grande populista. O Poder Executivo. Nunca diz não, mas não cumpre com o sim. Eloqüente, falante, todo verborrágico. Falso moralista tem princípios fundamentados na Honra, Tradição e Família. É um bajulador, puxa saco, de toda e qualquer autoridade acima dele. Se for para se dá de bem, faz de tudo. Inclusive deixar que “uma certa” Diretora de Teatro entregue a chave de “sua cidade” ao  ilustre visitante. Aproveita-se da posição de Prefeito para dá em cima das mulheres. 

Primeira Dama: a esposa fiel do marido infiel. Sempre que aparece em público está ao lado dele, de braços dados, sorrindo, feliz, retrato perfeito da família perfeita. Segura as mãos dos populares com as pontas dos dedos, aquele sorriso sem graças. Faz parte da Legião de Maria. Não perde um missa aos domingos. Ficou possessa quando soube que Lionor iria entrar a chave da cidade ao Quarto Besouro e não ela. Afinal quem é a primeira dama de Juatama? Para não ficar por baixo, exigiu que o cerimonial inventasse algo para ela ofertar ao ilustre visitante. Inventaram uma cesta com quitutes e petiscos juninos. A maior gaff, considerando a insuportável azia de Besouro que só em ver aquela badeja vai às alturas. 

 Padre: o articulador. Faz da batina sua arma. O Poder Religioso. Exerce forte influencia sobre os párocos de Juatama. Em nome de Deus cumpre papel de intermediador nos conflitos familiares, políticos e sociais. Uma das peças principais na confabulação da trama. Ardilosamente estimula Lionor a provocar ainda mais Quarto Besouro no instante que  entrega a chave da cidade. No decorrer do filme consegue evitar uma grande tragédia, que tudo vá por água, quando o Puxador da Quadrilha trava uma espécie de duelo – típico dos filmes de Western – com Quarto Besouro. Não celebra o casamento de Lionor e Besouro porque foi o próprio Bispo – recomendado pelo Papa - quem veio celebrar o respeitável enlace matrimonial, tendo em vista o nível da autoridade que estava se casando. 

Freira: branquinha, quase transparente. Aonde o Padre vai, ela vai atrás, bem coladinha. Atenta a tudo, principalmente a cada gesto do Padre, por quem, guarda um desejo fatal. Está sempre sorrindo, de bem com a vida. Nunca cansa verdadeira esposa do Senhor.  

Delegado: o Homem da Força Armada. Narigudo. Austero com os ladrões de galinha, diplomáticos com os filhos dos ricos. Na delegacia bate no preso, em casa apanha da mulher. Nunca prendeu alguém sem saber de quem se tratava. Antes de tomar qualquer decisão consulta sempre o Prefeito, o Padre e o Juiz. Se não fosse Homem de farda, seria um pobre Zé Ninguém. Usa revolver entre as pernas para mostrar que tem sexo grande, que é macho de verdade. 

Juiz: o Homem de Toga. O Poder Judiciário em pessoa. Nunca vimos tão mais Positivista com este. Gordo, careca, folgado. Só quer saber de aplicar a Lei e suas sentenças impiedosas. Vive de conchavos com o Prefeito, Delegado, Padre. Não se conforma que ele - na condição de Juiz da Comarca de Juatama - não poder outorgar o título que o lugarejo tanto desejar e necessita. Passa a maior parte do espetáculo dormindo. Ronco profundo e assustador.  No casamento é a mesma coisa. 

Comerciante: o mão de vaca. Não vende fiado a seu ninguém. Nem a própria mãe. Só pensa em dinheiro, a semana inteira. Rico não sabe mais onde guardar tanta grana. Enricou explorando o povo de Juatama. Para dá uma de bonzinho sempre no natal e semana santa distribui roupas usadas e gêneros alimentícios doados aos mais carentes. Sabe que ao conquistar o titulo de Patrimônio Folclórico da Humanidade, Juatama vai se desenvolver mais e mais, sobretudo na área do turismo comercial. Por conta disto pensa em abrir uma rede hoteleira no município. Inclusive já pediu ao Prefeito a doação de um terreno na entrada da cidade. Comprá-lo nem pensar. 

Fotógrafo: aquele que registra tudo. Nada escapa de suas lentes. Seus dedos estão sempre a disparar registrando o menor dos gestos, uma mais insignificante ação. Fura todos os esquemas para obter o melhor ângulo, a melhor fotografia. 

Repórter: pense numa baixinha danada de metida. A personificação do Quatro Poder. Não espera, cria o furo de reportagem. Sai com cada pergunta embaraçosa que deixa qualquer entrevistado a ver navios. Taquigrafa, com uma caderneta em mãos, parece mais uma máquina de escrever, tipo aquelas Olivet automática quando foi lançada no mercado nacional. Registra todos os passo de Quarto Besouro. Faz uma dupla engraçadíssima com o Fotografo. A casa e o botão. 

As Ex-misses: ai se o tempo voltasse atrás viramos como elas já foram belas. Mas o tempo é máquina de fazer monstros mesmo. Não tem renew, botox que dê jeito. E olha que se tratando de ex-misses, truque de maquiagem e mesa de cirurgião plástico é fixinha. Em número de cinco estão sempre na eterna posse de miss, perfiladas, peito pra fora, barriga pra dentro, sorridentes, faixa com o titulo de miss chegando primeiro. Cada qual mais pra frente que a outra. Invejam a beleza de Lionor, chegam a ter ódio dela por ser a Rainha do Folclore, mas ódio mortal tem mesmo é dela entregar a chave da cidade ao Quarto Besouro. Um insulto para quem dedicou uma vida inteira a representar Juatama mundo a fora. Se não fosse o acordo, rolaria a maior baixaria. Na presença de Quarto Besouro ficam elétricas, gestos iguais, uníssonos, o mesmo compasso. Excitadas abrem e fecham seus leques formando uma eloqüente coreografia. Chegam a ficarem úmidas quando Besouro beija suas mãos. 

Os Vereadores: em numero de três são os Santos (Pedro, Antonio e João) enviados por Deus para ver de perto o comportamento ético e moral dos habitantes de Juatama, uma vez que almejam tão importante título. Disfarçados de Vereadores observam tudo, com seus olhos aquilinos. Imparciais, apenas observam. Como são a manifestação do Divino na terra sabem tudo o que irá acontecer. Por isso se mantêm na deles, só observando. Não interferem em nada. Ficam temerosos toda vez que o Diabo aparece em cena tentando Benedito. Uma peça de roupa ou um adereço que eles carregam faz o elo entre os dois universos. 

A Banda de Música: tradicional Banda do interior, toca com esmeros dobrados tradicionais toda vez que recebe ilustres personalidades em Juatama. Farda na goma, instrumentos brilhantes. Uma proeza de banda municipal, digna de Juatama. 

Popular: é só quem encontramos nessas festas de interior. Quer nem saber quem é o aniversariante. O importante é comparecer. Não é nem pela comida e bebida, é pelo movimento. É amigo de todos, quando bebe fica falante, os “s” no mundo. 

Bêbado desordeiro: vi muito quando era menina no sertão de Quixadá. Franzino, bebeu todas o dia inteiro, mal consegue ficar em pé, quanto mais tirar um briga. Bebum, desbocado, atrevido, puxa da bainha a faca só pra ser preso. Desarmado é conduzido à delegacia onde permaneceu o resto do fim de semana. 

Mestre/Puxador de Quadrilha: pense num baixim porreta de arretado. Sabe de todos os passos de Quadrilha tradicional e moderna. Prefere à tradicional, por está mais ligada as suas raízes. Já foi noivo durante 20 anos da Quadrilha de Juatama. Hoje é Mestre/Puxador com muito orgulho. Ao desafiar Quarto Besouro com faca em mãos, imaginou está numa cena dos velhos filmes de western. Como não é homem de levar desaforo pra casa, partiu pra cima do convidado com gosto de gás. Se não fosse o Padre teria provocada uma verdadeira tragédia e todos os planos virão por água abaixo. Com um senso de humor invejável, desfez do grande mal entendido arrancando de todos uma forte gargalhada quando admite em público que é corno.   

Quadrilha Junina: grupo de Quadrilha Oficial de Juatama. Ganhadora de prêmios em festivais juninos da região e fora do Estado. 

Grupo Regional: típico grupo regional, toca o autentico forro-pe-de-serra com os clássicos instrumentos sanfona, triangulo e zabumba. Acompanha a Quadrilha Oficial de Juatama em todas suas apresentações. 

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